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Ética

A diferença entre moral e ética e as relações entre ética, liberdade e responsabilidade pautam uma extensa discussão filosófica.
Ética e a dúvida sobre a liberdade humana: somos livres para decidir ou determinados por fatores externos?
Ética e a dúvida sobre a liberdade humana: somos livres para decidir ou determinados por fatores externos?

O que é ética? Qual é a diferença entre ética e moralidade?

Nós, humanos, não vivemos sozinhos. Há uma infinidade de relações que estabelecemos o tempo todo – com a nossa família, com os nossos vizinhos, com os nossos amigos, com colegas de escola e trabalho, entre outras. Todos nós somos singulares: temos vontades, pensamentos e modos de expressão diferentes. Foi para possibilitar a vida em comum, ou seja, a vida ao lado das outras pessoas, e para garantir que todas elas possam agir que, ao longo dos anos, apareceu a noção de ética.

Nas conversas diárias, muitas vezes falamos de “ética” e “moral” como se fossem palavras sinônimas. Embora tenham, originalmente, um sentido parecido, é possível diferenciá-las. A palavra “moralidade” vem do latim mos, mor- e significa costumes. Nós vivemos em uma sociedade que tem normas estabelecidas do que é certo e do que é errado.

Temos, por exemplo, a norma moral de respeitar a propriedade privada: se a respeitamos, estamos agindo de forma “moral”; se não a respeitamos, ou seja, se roubamos ou depredamos a casa de uma pessoa, estamos agindo de forma “imoral”. Da mesma forma, se determinada cultura considera que as pessoas devem vestir-se de algum modo, a pessoa que se veste de acordo está agindo de forma “moral”; se não, está agindo de forma “imoral”. Assim, podemos entender que a moral é um conjunto de normas ou valores por meio do qual as pessoas guiam seu comportamento. Segundo esses valores, suas ações são julgadas.

As normas morais variam, a depender da cultura e do período histórico, e também podem ser questionadas e destituídas. Por muitos anos, no Brasil, por exemplo, as mulheres não puderam votar. Enquanto elas obedeciam silenciosamente, respeitavam a moral da época. À medida que as mulheres questionaram a moral, isto é, os motivos pelos quais elas não podiam exercer o direito ao voto, elas promoveram um debate “ético”. Atualmente, as mulheres não apenas podem votar, como também exercer cargos políticos, ou seja, houve uma mudança de concepção de moralidade.

A palavra “ética” vem do grego éthikos e significa modos de ser. A ética pode ser entendida como a reflexão sobre o comportamento moral. Se existir um país onde usar guarda-chuva seja considerado imoral, compete à ética pensar sobre a origem dessa norma e quais os pontos negativos de não usar guarda-chuva, por exemplo. A ética, portanto, analisa os fatos morais a partir das noções de bem e mal, de justo e de injusto. Ela não diz a forma como as pessoas devem comportar-se, e sim pretende elaborar princípios de vida para orientar as ações humanas.

Ética, liberdade e responsabilidade

A palavra responsabilidade, em seu sentido original, deriva do verbo latino respondere, responder. Quando falamos que alguém é responsável ou tem responsabilidade sobre alguma coisa, significa que essa pessoa tem condições de pensar sobre seus atos.

Quando uma pessoa tem condições de pensar sobre seus atos, tanto os do passado quanto os do presente, ela pode escolher a forma como agir no futuro. Sobre isso dizemos que a pessoa tem liberdade. Mas os filósofos não chegam a um consenso a respeito da liberdade humana.

Dentro da discussão filosófica, há pensadores que discutem a liberdade humana em relação à presciência divina, como Boécio; há pensadores que discutem a liberdade humana em relação às determinações biológica e histórica, como Helvetius; há os que discutem a liberdade humana acima das determinações, como Sartre; e aqueles que analisam a relação entre a liberdade e o determinismo a partir do entendimento do ser humano como livre e determinado ao mesmo tempo, como Espinosa.

Liberdade e Determinismo

Para Helvetius e outros deterministas, a liberdade seria uma espécie de ilusão, pois há um aspecto biológico do qual não se pode escapar e, sobretudo, um aspecto jurídico. Veja o que ele diz:

Os homens não são maus, mas submissos aos seus interesses... Portanto, não é da maldade dos homens que é preciso se queixar, mas da ignorância dos legisladores que sempre colocam o interesse particular em oposição ao geral. […] Até hoje, as mais belas máximas morais não conseguem traduzir nenhuma mudança nos costumes das nações. Qual é a causa? É que os vícios de um povo estão, se ouso falar, escondidos no fundo de sua legislação.”*

Vamos analisar o que ele diz:

1) Ele diz que os homens buscam seus interesses, mas isso não significa que eles sejam maus;

2) Para limitar os interesses humanos particulares, ou seja, aqueles que beneficiam apenas um grupo pequeno ou muito restrito, é preciso haver leis que prefiram os interesses gerais.

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3) Se isso não acontece, não haverá uma mudança nos costumes, pois as leis continuarão a permitir que os erros aconteçam.

Helvetius fala de “vício”, que também é uma noção importante para o estudo da ética. A noção de vício opõe-se à noção de virtude, que deriva do latim virtus (força ou qualidade essencial). Quando falamos de virtude ética, falamos de uma qualidade essencial: a prática constante do bem. O bem, nesse sentido, pode ser entendido como ter responsabilidade pelas ações livres. Quando a liberdade é usada pelo homem sem essa responsabilidade moral, falamos em vício.

Assim, se a fidelidade é uma virtude, a infidelidade é um vício. Sobre esse vício, especificamente, Helvetius salienta:

Na Nova Orleans, as princesas podem, quando elas se cansam de seus maridos, repudiá-los para se casarem com outros. Neste lugar, não encontramos mulheres falsas, porque elas não têm nenhum interesse em ser falsas”.*

Para Helvetius, em vez de falarmos de virtude ou vício da pessoa individualmente, deveríamos falar sobre a virtude ou vício da legislação.

O ser humano é sempre livre

Os pensadores que defendem que o ser humano é sempre livre sabem que existem determinações externas e internas, fatores sociais e subjetivos, mas a liberdade de decidir sobre suas escolhas é superior à força dessas determinações. Um exemplo que poderia ser dado para entendermos essa noção seria a de dois irmãos que têm a mesma origem social, mas um se torna criminoso e o outro não.

Vejamos o que o filósofo francês Jean-Paul Sartre disse sobre isso:

“... Por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. […] Não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas.

É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo o que fizer.”**

Analisando o que Sartre escreveu, entendemos que, para ele:

1) Não há determinismo, logo o homem é livre para decidir.

2) Se é livre para decidir, não há desculpas ou justificativas para as ações do homem. Ele só age de tal modo quando quer agir assim.

3) Por ser livre, o homem é responsável por tudo o que faz.

O ser humano é livre e determinado ao mesmo tempo

Entre os pensadores que defendem a relação entre liberdade e determinismo, estão o holandês Espinosa e os alemães Marx e Engels. Segundo eles, não há uma exclusão entre as ideias de liberdade e de determinismo. Se há fatores objetivos que limitam a liberdade humana, como as leis, as normais, a situação social, é possível que, pela ação, esses limites sejam expandidos. Para isso, precisamos conhecer os determinismos e, quanto maior for o nosso conhecimento a respeito deles, maior será o nosso poder de ação sobre eles.

Vejamos o que o filósofo Karl Marx disse sobre isso:

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem como circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.”***

Para concluir

Até aqui vimos o seguinte:

1) As normas morais variam a depender da cultura e do período histórico.

2) Temos responsabilidade pelas nossas ações.

3) Para alguns filósofos, temos a liberdade de agir.

Nós, desde a infância, aprendemos diversos valores morais que dependem do nosso contexto sociopolítico. A partir desses valores, criamos uma noção do que é uma ação moralmente correta ou moralmente incorreta. Ao passo que refletimos sobre a nossa realidade e percebemos que somos afetados por ela, podemos reafirmar os valores que aprendemos ou contestá-los. Assim, nós podemos também transformar a percepção dos valores e ter a legitimação dessa nova percepção de toda a sociedade. Não nos faltam exemplos no decorrer da história: a abolição da escravatura, por exemplo, fez com que a sociedade passasse a ver as pessoas negras como pessoas com igualdade de direitos e que, portanto, não podiam constituir-se como propriedade privada de outra pessoa.

*MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A sagrada família: ou a crítica da Crítica contra Bruno Bauer e consortes. Trad. Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 130
** SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 09
*** MARX, Karl; O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p. 329

Publicado por Wigvan Junior Pereira dos Santos
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